29.7.08

O piano de cauda

«O piano de cauda vivia no mais harmonioso dos lugares. Todos os dias, cedo cedinho, corria ao espreguiçadoiro, que é uma espécie de miradoiro donde se vê nascer o dia, e... dó, ré, mi, fá... o sol aparecia. Dali regressava à clareira para o ensaio de orquestra com o rio, as ervas e os pássaros. Quando não era orquestra, era um quinteto ou um trio... com quem estivesse disposto. Hoje, por acaso, até ia tocar a solo: a chuva tinha metido água no ensaio geral, estavam todos ensopados, roucos, desafinados. Nem o vento conseguia assobiar nas folhas!
Ainda bem que a cauda do piano tinha ficado presa nas giestas do caminho para o ensaio! É que, naquele lugar, ninguém sabia imaginar um dia sem música. E chegado o dia-pasão, que era o dia da afinação geral, tudo voltou à normal felicidade.
Quem não andava nada feliz com a felicidade era o ar.
Como se já não lhe bastasse o trabalho que tinha com o perfume das flores, rebentava de música pelas costuras.
O que lhe valia eram os amigos: a boleia do vento, por exemplo, ou a visita de médico do ocaso, todos os dias ao fim da tarde. Bem, não era bem uma visita de médico, era mais... de polícia! É que, à sua ordem, todos recolhiam as melodias espalhadas e o piano dava as últimas notas: dó, si... e lá se ia o sol!
Era difícil chegar àquele lugar. Mas... mais dia menos dia, alguém havia de conseguir. Alguém assim... para quem tudo é fácil... Alguém à procura de coisas raras!
E assim aconteceu...»


Excerto retirado de:
O Piano de Cauda
Texto: Eugénio Roda
Ilustrações: Gémeo Luís
Editora: Edições éterogémeas

(O livro encontra-se na Biblioteca)


Sem comentários:

Enviar um comentário