A laranja sacudiu-se energicamente lá no alto da laranjeira e disse:
- Ninguém é tão importante como eu! Ninguém se compara comigo!
As folhas bateram umas nas outras, alegremente, que é o modo que elas têm de rir, e exclamaram:- Bazófias, minha filha!
A laranja fez de conta que não era nada com ela, até porque não sabia o que queria dizer «bazófias», e, vaidosamente, voltou a dizer:
- Ninguém é tão importante como eu!
As folhas já estavam ligeiramente fartas daquela conversa, que se repetia todos os dias, e perguntaram:
- Mas porquê? Não acabas, como tods, em cima de um prato ou espremidinha para dentro de um copo?
A laranja deitou-lhes um olhar verdadeiramente enjoado:
- Francamente, vocês não percebem nada disto!
Depois aclarou a voz e continuou:
- Vocês são verdes. O meu primo limão é amarelo, a minha prima banana também é amarela, às vezes verde. O meu primo morango é vermelho. A minha prima uva é azul. A minha prima pêra é verde, amarelada, quando muito. Todos os meus primos e primas têm cores que são cores de muita gente. Mas eu... Eu sou cor de laranja!
- E isso que tem? - perguntaram as folhas, afinadamente em coro.
- Nunca vi ninguém que pensasse tão lentamente... - refilou a laranja.
Aclarou novamente a voz:
- Eu... eu sou... eu sou cor de laranja! Ou seja, eu sou cor de mim! Cor de mim própria!
Nessa altura, uma das folhas que raciocinava mais velozmente lembrou-se de dizer, lá do alto do seu ramo:
- Mas a tua prima rosa também é... cor-de-rosa! Cor dela própria!
A laranja ficou enraivecidamente cor de laranja e gritou:
- Cala-te imediatamente! Não me fales dessa toleirona, que estamos de relações cortadas há anos!
Então a folha encolheu-se, mandou passear a laranja mais as suas manias de superioridade, e murmurou lentamente:
- Mas quem me manda a mim meter em questões de família...
Retirado de
«Livro com Cheiro a Caramelo»
de Alice Vieira
Texto Ed.