16.4.09

Alice Vieira - 30 anos de carreira...


" Porque escrevo para crianças?
Todos nós gostamos de encontrar um culpado para as aventuras em que nos metemos ... É cómodo, é fácil, a gente aponta e diz: «foi por causa dele».
Pois eu também tenho um culpado: posso espetar bem o meu dedo indicador e dizer: - O culpado foi ele. Ele é que me levou para esta vida...
Neste caso foi ela. Acho que se não tivesse sido a queixa da minha filha, eu não me teria metido nisto... Portanto, a culpa foi toda, toda dela!
Um dia a Catarina chegou a casa e disse:
- Já li todos os livros que há para ler.
Fez uma pausa e disse:
- E agora, o que é que leio?
A Catarina tinha então nove anos, lia muito: não, evidentemente todos os livros que existiam, mas todos os que habitualmente se davam a quem tinha a sua idade .
- E agora ? – repetia ela, com aquele ar solene que arranja nas ocasiões difíceis... Eu ia tentando dar uma ajuda (lê este, e mais este, e mais aquele) mas eram ajudas inuteis (já li, já li, já li...). Foi então que dei comigo a dizer-lhe:
- Então, se já leste tudo o que há, vamos nós as duas escrever um livro!
Meti papel à máquina e do bater dos dedos nas teclas saiu esta frase: «Quando a minha irmã nasceu o meu desapontamento foi tão evidente que a minha mãe, abafada entre lençóis e cobertores da cama do hospital, me disse: Ela vai crescer num instante!»
Olhei para esta frase, uma, duas, muitas vezes, e a partir dela outras vieram, e mais outras, até que o primeiro capítulo do livro estava feito. E cada capítulo que nascia era lido e discutido com a Catarina, feliz de participar naquela aventura ...
E nunca mais parei. Tudo por causa da Catarina. Que hoje continua a ler tudo, e que escreve melhor do que eu .



Antologia Diferente: De que são feitos os sonhos?
Porto: Areal Editores, 1986, pág. 181






Alice Vieira nasceu em 1943 em Lisboa. É licenciada em Germânicas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 1958 iniciou a sua colaboração no Suplemento Juvenil do Diário de Lisboa e a partir de 1969 dedicou-se ao jornalismo profissional. Desde 1979 tem vindo a publicar regularmente livros tendo, actualmente editados na Caminho, cerca de três dezenas de títulos. Recebeu em 1979, o Prémio de Literatura Infantil Ano Internacional da Criança com Rosa, Minha Irmã Rosa e, em 1983, com Este Rei que Eu Escolhi, o Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura Infantil e em 1994 o Grande Prémio Gulbenkian, pelo conjunto da sua obra. Recentemente foi indicada pela Secção Portuguesa do IBBY (International Board on Books for Young People) como candidata portuguesa ao Prémio Hans Christian Andersen. Trata-se do mais importante prémio internacional no campo da literatura para crianças e jovens, atribuído a um autor vivo pelo conjunto da sua obra. Alice Vieira é hoje uma das mais importantes escritoras portuguesas para jovens, tendo ganho grande projecção nacional e internacional. Várias das suas obras foram editadas no estrangeiro.







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